Pulgas e Carrapatos: prevenção e conscientização

 Não é de hoje que a convivência de cães e gatos com os seres humanos é evidente, mas atualmente a proximidade física e emocional vem apresentando um aumento de forma progressiva. Em algumas regiões do Brasil, a proporção de cães por indivíduos humanos é de 1:3, principalmente em regiões onde residem crianças e idosos.


Sabe-se, também, que esses animais podem transmitir ao homem, direta ou indiretamente (por meio de vetores), doenças que, muitas vezes, apresentam evolução com prognóstico reservado. Assim, o papel do médico veterinário é informar e conscientizar os proprietários quanto a essas doenças e como preveni-las, a fim de que os cães e gatos se tornem protegidos, bem como os seres humanos que convivem em contato próximo.


A prevenção visa evitar que um determinado agente se dissemine numa população ou impedir que uma doença pré-instalada agrave suas manifestações clínicas ou mesmo seu potencial de transmissão. Geralmente, os compostos utilizados na profilaxia de agentes patogênicos de uma doença são os mesmos utilizados em seu tratamento etiológico.


Para prevenir qualquer enfermidade transmitida por vetores, é necessário adotar medidas físicas e químicas de controle sobre o animal, o ambiente e os suscetíveis.


Os principais vetores que apresentam uma ampla distribuição geográfica em todo o território nacional e causam injúrias tanto para os animais quanto para o homem são a pulga e o carrapato. Esse inseto e esse ácaro vetores causam danos físicos devido a lesões locais; a saliva do carrapato é neurotóxica e pode causar paralisia; dependendo da infestação, pode ingerir grandes volumes de sangue e causar anemias graves; carreia outros parasitos no interior de seu organismo e pode transmiti-los ao hospedeiro vertebrado, causando doenças que levam ao óbito. 


Desta forma, o controle desses vetores é de extrema importância para evitar tais consequências indesejáveis.


Carrapatos


Os carrapatos são ácaros hematófagos. No Brasil, as infestações por carrapatos em cães estão diretamente relacionadas com o ambiente onde estes vivem.


O ambiente rural e as periferias de áreas urbanas, onde o cão possui acesso livre a matas e pastagens, apresentando contato com outros animais, domésticos ou selvagens, propicia a infestação por várias espécies de carrapato pertencente ao gênero Amblyomma.


Já os cães criados no meio urbano, no interior ou no espaço externo das residências são acometidos mais comumente pelo carrapato Rhipicephalus sanguineus, que está adaptado a se estabelecer nas cidades, nessas condições e com grande facilidade.


Figura 1 Rhipicephalus sanguineus, macho dorsal, aumentado

Figura 2 Amblyomma ovale, macho dorsal, aumentado


Ciclo biológico


Os carrapatos que acometem os cães passam por quatro estágios evolutivos durante o seu ciclo de vida – ovo, larva, ninfa e adulto (macho e fêmea) –, sendo que alguns eventos ocorrem sobre o animal, enquanto a maioria das etapas se desenvolve no ambiente. Após um período de incubação no ambiente, surge a eclosão do ovo com a liberação da larva. Esta procura o animal e permanece por alguns dias para realizar a hematofagia; em seguida, abandona o animal e retorna para o ambiente para realizar a troca de pele (ou ecdise) e originar a ninfa. A ninfa procura o animal também para realizar a hematofagia por alguns dias e retorna para o ambiente para realizar a troca de pele (ou ecdise) e originar o adulto, que pode ser macho ou fêmea. O adulto, por sua vez, procura o animal para realizar a hematofagia e a cópula. A fêmea, após a cópula, suga grande quantidade de sangue e se torna ingurgitada. A fêmea ingurgitada se desprende do animal e realiza a postura dos ovos no ambiente.


Os carrapatos do gênero Amblyomma podem parasitar os mamíferos domésticos e selvagens e as aves dos ambientes rural e silvestre, não sendo necessária a presença dos cães para estabelecer o seu ciclo de vida. Esses carrapatos possuem hábitos de tocaia, isto é, ficam a postos na beira da vegetação, esperando a passagem de seus hospedeiros; assim, os cães e os humanos são acometidos acidentalmente ao adentrarem nesse ambiente. 


As partes do corpo mais parasitadas comumente são a cabeça e o pescoço.


Já o carrapato R. sanguineus apresenta especificidade parasitária, sendo necessária a presença do cão para o desenvolvimento do ciclo biológico e a manutenção da sua população. 


Além disso, possui hábito nidícola, ou seja, realiza o seu ciclo de vida no ninho, casa ou abrigo do hospedeiro. Esse carrapato, quando não está sobre o corpo do animal, permanece nas frestas e nos buracos de paredes, nos muros e nos tetos do próprio abrigo do cão. Ao detectar a presença do animal, abandona esses locais e vai ao encontro dele para a hematofagia. 


Devido a essas características biológicas, que favorecem o estabelecimento e a reprodução do R. sanguineus no ambiente urbano, os cães são facilmente acometidos por ele. As áreas do corpo do hospedeiro mais parasitadas são cabeça, pescoço, dorso, orelhas e interdígitos.


Independente da espécie, 95% dos carrapatos encontram-se no ambiente em vida livre, enquanto apenas 5% estão parasitando o animal. O cão não desenvolve imunidade contra o R. sanguineus, por isso pode sempre servir como hospedeiro adequado, por tempo indeterminado, para todos os estágios parasitários desse carrapato.


Alimentação


O aparelho bucal do carrapato penetra na pele do hospedeiro e permanece fixado por meio do hipostômio e pela saliva. Ao provocar a laceração dos tecidos e vasos sanguíneos, ingere sangue e regurgita saliva, principal via de inoculação de patógenos. Nesse processo de alimentação, o carrapato causa vários tipos de lesões (Quadro 1)


Quadro 1 Lesões causadas, no hospedeiro, por ectoparasitos


Nos hospedeiros sensíveis ou não previamente expostos, a principal resposta ocorre por infiltração neutrofílica, com necrose cutânea, vasodilatação, ruptura de vasos e hemorragia. Já nos hospedeiros resistentes, a lesão de fixação é mais intensa, caracterizada por edema, infiltração eosinofílica e basofílica e necrose, sem ruptura dos vasos. A degranulação de basófilos e eosinófilos liberam histamina, serotonina e heparina, que dificultam ou impedem que os carrapatos completem seu processo de ingurgitamento.


Transmissão de patógenos


Uma grande variedade de agentes causadores de doenças é transmitida por carrapatos por meio da picada, de excrementos ou da ingestão destes.


Em alguns casos, os carrapatos funcionam como transmissores mecânicos de agentes ou transportadores somente. O grande problema das doenças transmitidas por eles é que elas mimetizam um grande número de doenças infecciosas e parasitárias, dificultando seu diagnóstico e tratamento.


 Em geral, as manifestações clínicas envolvem febre e anemia, e seu aparecimento pode ocorrer de forma inesperada.


Alguns agentes transmitidos pelo carrapato são Ehrlichia sp., Borrelia sp., Babesia sp. e Rickettsia rickettsii.


Pulgas


As pulgas são insetos hematófagos. No Brasil, apenas 59 espécies foram descritas. De maneira geral, somente poucas espécies de pulgas podem ser encontradas em cães e gatos, sendo que a Ctenocephalides felis (Figura 3) assume maior relevância pela elevada prevalência em nosso meio ou pela sua importância como causadora de dermatites alérgicas nos animais predispostos e seu comportamento como vetor de alguns importantes patógenos.



Figura 3 Ctenocephalides felis, fêmea adulta



Alimentação e ciclo biológico


As pulgas são insetos que realizam uma metamorfose completa durante o seu ciclo de vida e apresentam os estágios vitais, consistindo em ovo, estágios larvais um, dois e três, casulo pupal e adulto (macho e fêmea).


As pulgas adultas, macho e fêmea, permanecem sobre o corpo do animal, realizando a hematofagia e a cópula. 


A fêmea faz a postura dos ovos entre os pelos do animal, mas os ovos não são aderentes e caem no solo, ocorrendo uma tendência ao acúmulo de grandes quantidades de ovos nos locais mais frequentados pelo cão, principalmente onde ele descansa no período noturno. Após um período de incubação, ocorrem a eclosão do ovo e a liberação da larva de primeiro estágio, que se alimenta e evolui para larva de segundo estágio, a qual se alimenta e evolui para larva de terceiro estágio. A alimentação das larvas no ambiente é obtida, essencialmente, por meio das partículas fecais produzidas pelas pulgas adultas, compostas de sangue desidratado parcialmente digerido, além de descamações cutâneas, fungos, microrganismos e resíduos alimentares. 


A larva de terceiro estágio começa a produzir fios de seda viscosos e a tecer o casulo pupal ao seu redor. Esse casulo é pegajoso e permite a aderência de partículas finas, como grãos de areia e todo tipo de sujeira e resíduo ambiental.


Nota: Em geral, as manifestações clínicas envolvem febre e anemia, e seu aparecimento pode ocorrer de forma inesperada.


No interior do casulo pupal, ocorre a metamorfose, originando a pulga adulta (macho ou fêmea). A saída, ou emergência, das pulgas adultas de dentro do casulo pupal, ocorre por meio de estímulos específicos desencadeados principalmente pela presença do hospedeiro, como temperatura, dióxido de carbono, vibrações, pressão física, luminosidade, ruídos e odores.


Após saltar sobre o hospedeiro, as pulgas adultas realizam a hematofagia diretamente nos capilares (solenófagas) durante o dia ou à noite.


O ciclo de ovo a adulto é completado por volta de 12 a 15 dias, podendo, entretanto, estender-se até 174 dias dependendo das condições de temperatura, da umidade e da alimentação obtida pelas larvas.


Estas apresentam características (Quadro 2) que favorecem o seu desenvolvimento e a produção do casulo pupal em locais de difícil acesso, sendo frequentemente encontradas na base de tapetes e carpetes, tacos, assoalhos, tábuas e rodapés.

Quadro 2 - Características observadas durante o desenvolvimento das larvas


Controle e profilaxia


Os programas que visam ao controle adequado das pulgas e dos carrapatos devem apresentar uma combinação harmoniosa de métodos que proporcionam o manejo das condições ambientais, associados à utilização de produtos químicos seletivos (ectoparasiticidas e repelentes).


 A alteração ou a remoção das condições ambientais que favorecem o desenvolvimento da população de pulgas e carrapatos devem ser realizadas antes mesmo da utilização de produtos químicos no ambiente e/ou no animal.


É importante ressaltar que os carrapatos do gênero Amblyomma podem parasitar naturalmente mamíferos domésticos e selvagens dos ambientes rural e silvestre, sendo o cão acometido acidentalmente ao adentrar esses meios. Assim, a utilização de drogas carrapaticidas visa eliminar os carrapatos que já foram adquiridos ou evitar uma nova infestação quando o cão adentra esses ambientes. Outro procedimento importante é evitar que o cão entre em contato com animais e a vegetação dos locais já citados.


Para o controle do carrapato da espécie R. sanguineus, que assume grande importância pela sua elevada ocorrência nos cães ou pela transmissão de agentes causadores de graves doenças como a erliquiose e a babesiose canina, é necessário fazer o tratamento curativo no animal, que atua em 5% da população e, principalmente, o tratamento ambiental, que visa atuar nos 95% da população. 


O tratamento ambiental pode ser realizado por meio da dedetização com piretroides em três a quatro aplicações, com intervalos de 14 dias, sempre aspergindo a substância nas paredes, nos muros e nos tetos, principalmente nas áreas de descanso do animal. 


Quando for inviável dedetizar o ambiente, como no interior de residências e apartamentos, podem ser aplicados apenas produtos de ação residual com efeito preventivo no animal. 


Esses produtos devem ser rigorosamente reaplicados com base nos períodos de eficácia preconizados.

No mercado brasileiro, estão disponíveis vários produtos que apresentam ação residual com efeito preventivo, como permetrina, fipronil, amitraz, selamectina e piriprol.


No caso das pulgas, também é indicado realizar esse controle integrado visando atuar sobre o hospedeiro e o ambiente, pois, assim como os carrapatos, 95% da população de pulgas encontram-se no ambiente nos estágios de ovos, larvas e pupas, e apenas 5% no estágio adulto encontram-se parasitando o hospedeiro.


 As medidas realizadas no ambiente interno envolvem a rigorosa limpeza para retirada de matéria orgânica (pode-se usar aspirador de pó, lavar com água ou usar vapor superaquecido) e restringir o acesso dos animais a determinados cômodos.


 O controle do ambiente externo se dá por meio da limpeza de áreas sombreadas, úmidas e protegias do sol.


Também é possível o uso de produtos químicos que atuam nos estágios evolutivos encontrados no ambiente (principalmente os ovos e as larvas), como os carbamatos, organofosforados, piretroides e os reguladores de crescimento de insetos (análogos do hormônio juvenil e os inibidores da síntese de quitina). Deve-se ressaltar que as pulgas podem sobreviver por 140 a 170 dias no interior do casulo pupal.


Outro fator importante é a grande dificuldade de atingir as pulgas que se encontram no interior desse casulo, mesmo após a aplicação ambiental de produtos inseticidas, devido aos locais de difícil acesso e às condições impermeabilizantes que dificultam a penetração dos produtos químicos no casulo. Para atuar no estágio adulto das pulgas encontradas sobre o animal, é recomendada a aplicação de produtos químicos que apresentam efeito adulticida.


 Existe uma ampla variedade de fármacos que desempenham esse efeito disponível no mercado nacional, como imidacloprid, fipronil, metaflumizona, nitenpiram, selamectina, piriprol e spinosad.


Nota: Um dos principais motivos para a ineficácia dos programas de profilaxia e controle de ectoparasitos está relacionado ao fraco empenho dos proprietários devido à falta de condições financeiras, ao grau de formação mínimo ou à simples recusa em alterar sua rotina diária.


Mas nem tudo é regra: em certos casos, o uso de produto de ação residual associado à limpeza do ambiente sem produtos químicos já é suficiente para controlar uma infestação por pulgas.


O médico veterinário deve avaliar qual ou quais intervenções deverão ser utilizadas em cada caso e explicar ao proprietário todas as medidas que serão adotadas na prevenção e/ou no controle de ectoparasitos, a fim de melhorar a qualidade de vida de todos (animal, proprietário e população no geral).


Um dos principais motivos para a ineficácia dos programas de profilaxia e controle de ectoparasitos está relacionado ao fraco empenho dos proprietários devido à falta de condições financeiras, ao grau de formação mínimo ou à simples recusa em alterar sua rotina diária. É por esses e outros motivos que o médico veterinário deve escolher corretamente um protocolo e adequá-lo às necessidades específicas do proprietário e de seu animal de estimação. Mas não podemos esquecer que outra razão para a falha do controle pode ser o desenvolvimento de resistências aos produtos utilizados.


Concluímos, assim, que os sucessos da prevenção e do controle dependem de uma ação conjunta entre proprietário e médico veterinário, e nunca se deve esquecer que animais e ambiente devem ser tratados juntos, e nem sempre se consegue a erradicação completa desses ectoparasitos.


Banco de sangue


O banco de sangue do Hospital Veterinário Anhembi Morumbi tem como prioridade a seleção de doadores caninos e felinos, que devem se apresentar clinicamente saudáveis, vacinados e vermifugados, ter entre um e seis anos de idade, com peso superior a 25 kg (cão) e 4,5 kg (gato), não devem ter passado por procedimento cirúrgico recente (dois meses), não devem estar prenhes, devem ter temperamento dócil e, principalmente, ser submetidos ao controle de ectoparasitos.


O controle de ectoparasitos é de extrema importância, pois sabe-se que de 10 a 15% dos prováveis doadores que apresentam valores hematológicos no intervalo de normalidade, podem revelar resultados sorológicos reagentes para os principais agentes transmissíveis pelo sangue.


O banco de sangue veterinário enfrenta a mesma problemática do banco de sangue humano: a falta de doadores. Seu cão pode salvar vidas. Faça dele um doador!



Referências:


Dr. Marcio Antonio Batistela Moreira


CRMV-SP 12.216


Médico veterinário. Professor de Patologia Clínica da Universidade Anhembi Morumbi. Responsável pelo Laboratório de Patologia Clínica do Hospital Veterinário Anhembi Morumbi.


Dr. Silvio Luís Pereira de Souza


CRMV-SP 10.081


Médico veterinário. Professor de Parasitologia Veterinária da Universidade Anhembi Morumbi.


Dra. Natasha Dascencze Balestero


CRMV-SP 32.180


Médica veterinária. Residente do Setor de Patologia Clínica do Hospital Veterinário Anhembi Morumbi.





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